– Pedro Luso de Carvalho
AUGUSTO DOS ANJOS nasceu no Engenho de Pau D’Arco, junto à vila Espírito
Santo, Estado da Paraíba, no dia 20 de abril de 1884. Aprendeu as primeiras
letras com seu pai, advogado estudioso e dono de uma excelente biblioteca, na
qual se encontravam obras de Darwin, Spencer e outros teóricos evolucionistas.
Cursou o secundário no Liceu Paraibano e Direito em Recife. Essa
graduação, no entanto, não lhe serviu como profissão, já que nunca exerceu a
advocacia, por não ser essa sua vocação, mas, sim, o magistério. Lecionou
literatura no Liceu Pernambucano, e, depois, já no Rio de Janeiro, foi
professor de Geografia na Escola Normal e no Colégio Pedro II. Daí mudou-se
para Leopoldina, no Estado de Minas Gerais, onde foi diretor de um grupo
escolar.
Diz-se que Augusto dos Anjos compôs os seus primeiros versos aos sete
anos de idade. Mas o certo é que, mais tarde, a crítica chegaria a reconhecer
ser ele o mais original dos poetas brasileiros, e de que poucos haverá, como
ele, tão originais na língua portuguesa. É bem verdade que, em vida, o poeta
não pode sentir esse valor atribuído à sua poesia; esse reconhecimento só viria
ocorrer anos mais tarde.
Exemplo de que o reconhecimento da excepcional obra poética de Augusto
dos Anjos parecia ter tido pouco significado na época em que fez, às suas
expensas e com a ajuda de seu irmão, a publicação de seu livro “Eu”, é contada
por Francisco de Assis Barbosa, um dos mais importantes biógrafos do poeta:
Dias depois de sua morte,
ocorrida em Leopoldina, Órris Soares e Heitor Lima caminhavam pela Avenida
Central e pararam na porta da Casa Lopes Fernandes para cumprimentar Olavo
Bilac. O príncipe dos poetas notou a tristeza dos dois amigos, que acabaram de
receber a notícia. – E quem é esse Augusto dos Anjos – perguntou. Diante do
espanto de seus interlocutores, Bilac insistiu: Grande poeta? Não o conheço.
Nunca ouvi falar nesse nome. Sabem alguma coisa dele? Heitor Lima recitou o
soneto Versos a um coveiro. Bilac ouviu pacientemente, sem interrompê-lo. E,
depois que o amigo terminou o último verso, sentenciou com um sorriso de
superioridade: - Era esse o poeta? Ah!, então, fez bem em morrer. Não se perdeu
grande coisa.
A afirmação feita por Ivan Cavalcanti Proença, sobre Augusto dos Anjos,
contraria o que disse dele Olavo Bilac: “Hoje, é um dos três mais lidos, e
conhecidos poetas de antes do Modernismo, em língua portuguesa no Brasil, ao
lado do nosso Castro Alves e da lírica Marília de Dirceu de Tomás Antonio
Gonzaga”.
Diz Alfredo Bosi, no seu livro A
Literatura Brasileira. O Pré-Modernismo, publicado em em 1966: “Augusto dos
Anjos foi homem de um só livro: ‘Eu’, publicado em 1912, e cuja fortuna,
extraordinária para uma obra poética, atestam as trinta edições vindas à luz
até o momento em que escrevemos (1966)”.
Ivan Cavalcanti Proença enumera outras edições de Eu, de Augustos dos Anjos: a 29ª em 1963, pela Livraria São José, a
30ª (1965) e a 31ª (1971). Esta contou com o estudo de Antonio Houaiss e nota
biográfica de Francisco de Assis Barbosa, com “Poemas Esquecidos” (Agrupados
por De Castro e Silva em estudos de 1914 e 1954).
Acrescenta Proença, que, pela Editora Paz e Terra, saem duas edições: a
de 1978, Toda a Poesia, com estudo de
Ferreira Gullar e apresentação de Otto Maria Carpeaux (edição que reproduz a
31ª da São José). Em 1987 a Editora Civilização Brasileira lançou o livro Eu e Outras Poesias, com texto e notas
de Antonio Houaiss, o Elogio... de
Órris Soares, o estudo biográfico de Francisco de Assis Barbosa. Além dessas
edições, saíram as edições da Martins Fontes, em 1994, da Paz e Terra e Nova Aguilar, ambas em 1995.
O professor Sergius Gonzaga assim se manifesta sobre o poeta, em sua
obra Curso de Literatura Brasileira:
Augusto dos Anjos é um
caso a parte na poesia brasileira. Autor de grande sucesso popular foi ignorado
por certa parcela da crítica, que o julgava mórbido e vulgar. Alguns estudiosos
que se debruçaram sobre essa obra única e absolutamente original perderam tempo
discutindo se a mesma era parnasiana ou simbolista. O domínio técnico e o gosto
pelo soneto comprovariam o primeiro rótulo. A fascinação pela morte, a angústia
cósmica e o emprego de ousadas metáforas, indicariam a tendência simbolista.
Esse debate tornou-se obsoleto perante estudos mais apurados, como o de
Ferreira Gullar, que acentua a modernidade dos versos de “Eu”. Diz Gullar: “Talvez
nenhum outro autor do período merecesse tanto a denominação de pré-modernista
como Augusto dos Anjos. Pré-modernista ele o é na mistura de estilos, na
linguagem corrosiva, no coloquialismo e na incorporação à literatura de todas
às sujeiras da vida”.
Durante muito tempo, discutiu-se se ele era ou não um grande poeta.
Hoje, os estudiosos sublinham sua singularidade temática e linguística, mesmo
reconhecendo eventuais deslizes. Alguns, contudo, lembram a morbidez e a
vulgaridade desenfreada de várias composições. Pode-se gostar ou não de sua
obra, mas sonetos como Versos Íntimos
estão de tal forma entranhada na memória do leitor brasileiro que não mais
podem ser ignorados. Tornaram-se clássicos.
O poema que Augusto dos Anjos dedica ao seu pai falecido revela o seu
sentimento de angústia diante da morte, uma perspectiva sempre presente, desde
que soube da doença que o acometia, a tuberculose, e que, mais tarde, viria
tirar-lhe a vida:
Podre meu pai! A Morte o
olhar lhe vidra.
Em seus lábios que os
meus lábios osculam
Microorganismos fúnebres
pululam
Numa fermentação gorda de
cidra.
Duras leis as que os
homens e a hórrida hidra
A uma só lei biológica
vinculam
E a marcha das moléculas
regulam,
Com a invariabilidade da
clepsidra!
Podre meu pai! E a mão
que enchi de beijos
Roída toda de bichos,
como os queijos
Sobre a mesa de orgíacos
festins!...
Amo meu pai na atômica
desordem
Entre as bocas necrófagas
que o mordem
E a terra infecta que lhe
cobre os rins!
Augusto dos Anjos (Augusto Carvalho Rodrigues dos Anjos) era um dos
quatro filhos de Alexandre Rodrigues dos Anjos e de Córdula Carvalho Rodrigues
dos Anjos. Em 1910, antes de mudar-se para o Rio de Janeiro, casou-se, aos 23
anos, com Ester Fialho, com quem teve dois filhos: Glória (1912) e Guilherme
(1913). Faleceu aos 12 de de novembro de 1914, em Leopoldina – para onde se
mudara para tratar da tuberculose – vítima de congestão pulmonar.
REFERÊNCIAS:
GONZAGA, Sergius. Curso de Literatura Brasileira. Porto Alegre: editora Leitura XXI, 2004.
LINS, Álvaro. BUARQUE de Hollanda, Aurélio. Roteiro Literário de Portugal e do Brasil. Rio de Janeiro: Antologia da Língua Portuguesa, Ed. Civilização Brasileira, 1966.
BOSI, Alfredo. A Literatura Brasileira. O Pré-Modernismo. São Paulo: Editora Cultrix, 1966.
PROENÇA, Ivan Cavalcanti. Estudos e Notas. Antologia Poética de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: Editora Ediouro, 1997.
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